
Os tempos não eram fáceis para o povo argelino. Após um longo período de sujeição ao Império Turco-Otomano, os franceses submetiam Argel ao seu nada suave jugo, em meados de 1830. Para os franceses, essa região costeira do Mediterrâneo possuía uma inegável relevância geopolítica e econômica; já entre os magrebinos, a substituição dos turcos pelos franceses no posto de opressores não poderia resplandecer em outro sentimento que não o descontentamento geral.
Muhyi ad Din, líder de uma influente fraternidade religiosa, era homem de grande prestígio. Havia bravamente resistido a anos de cárcere por ter se levantado contra os otomanos e, agora que o inimigo havia sido suprimido em suas terras, precisava redirecionar sua resistência ao opressor francês. Mas os anos haviam passado, e a idade já lhe pesava. Era-lhe necessário um substituto, e quem poderia ser melhor para essa empreitada do que seu próprio filho – a quem havia educado e preparado tão diligentemente? Surgia aí o grande Emir (líder) Abdelkader.
A escolha de Abdelkader para liderar a repulsão aos franceses não foi, ao contrário do que se possa imaginar, um ato de nepotismo de ad Din. O jovem emir tinha apenas 25 anos à época, e a descrição de seus atributos, segundo relatos, é impressionante: era ele um teólogo com fé inabalável no Islã; um homem de vasta carga cultural; um político habilidoso; um guerreiro de fibra e de excelente preparo físico; um orador persuasivo e carismático. Combinou todos esses apanágios para obter a adesão das várias tribos terrantesas ao seu projeto de criação de um Estado islâmico e independente.
Ainda antes de 1840, o governo rebelde já controlava 2/3 da Argélia – além ter estabelecido uma surpreendente organização institucional, com exército permanente, burocracia, cobrança de impostos e até mesmo prestação de serviços públicos. As autoridades francesas não tardaram a sufocar o movimento, visando à conservação de seus ricos postos às margens do Mediterrâneo, como Argel e Orã – sem debuxar grande interesse pela porção desse protoestado que abarcava a zona árida adjacente.
Em 1836, uma poderosa força expedicionária francesa liderada pelo general Bugeaud sobrepujou as tropas de Abdelkader, culminando com a assinatura do Tratado de Paz de Tafna. Por esse tratado, os franceses garantiam sua soberania sobre Alger e Orã, sem, contudo, oporem-se ao domínio do governo de Abdelkader aos 2/3 restantes do território, que praticamente não interessavam aos europeus. O tamanho prestígio que esse episódio rendeu a Abdelkader mostrou-se perigoso aos interesses franceses. Em 1839 veio o golpe final: os franceses romperam o tratado ao invadir a cidade de Constantine, provocando a inevitável retomada da jihad por parte de Abdelkader.
Em 1847, Abdelkader foi definitivamente sobrepujado, sendo enviado à França, onde permaneceu em exílio. O governo francês tentou cooptá-lo, ao tentar convencê-lo a assumir um “Estado-fantoche” árabe. Permaneceu incorruptível. Por fim, o próprio Napoleão III o libertou, ofertando-o uma pensão anual de cem mil francos para que jurasse nunca mais causar distúrbios na Argélia.
Abdelkader morreu em 1883 em Damasco, Síria. Assim que sua amada pátria se tornou independente, no longínquo ano de 1962, os restos mortais do eminente herói foram transladados ao cemitério dos mártires, em Argel. O pavilhão alviverde que empunhava com fervor em suas lutas é hoje a base da bandeira nacional da Argélia. O emir passou a ser considerado o fundador da nação argelina, tanto pelo vigor com que combateu os franceses, quanto pela sutileza de que se valeu para unificar as tribos locais.
O selo apresentado, que é parte de meu acervo pessoal, mostra uma litografia de 1968 (aproximadamente) com a imagem do Emir Abdelkader, nas cores verde e branco – as cores nacionais argelinas.
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